sábado, 20 de dezembro de 2008


Uma mente inquieta...

Muitas vezes me perguntei se optaria por ter tido ou não essa doença, caso pudesse escolher. Se eu não dispusesse de ajuda, ou se os remédios não funcionassem no meu caso, a resposta seria um simples “não” – e seria uma resposta impregnada de horror. No entanto, os remédios funcionaram no meu caso; e, por isso, suponho que possa me permitir essa pergunta. Por estranho que pareça, creio que optaria por ter a doença. É complicado. A depressão é apavorante demais e não cabe em palavras, sons ou imagens. Eu não gostaria de voltar a passar por uma depressão prolongada. Ela exaure os relacionamentos através da suspeita, da falta de confiança e de amor-próprio, da incapacidade de aproveitar a vida, de caminhar, conversar ou raciocinar normalmente, da exaustão, dos terrores noturnos, dos terrores diurnos. Não há nada de bom que se possa dizer da depressão, a não ser que ela nos dá a experiência de como deve ser a velhice, ser velho e doente, estar à morte; ter a mente lerda, não ter elegância, educação ou coordenação; ser feio; não acreditar nas possibilidades da vida, nos prazeres do sexo, na perfeição da música ou na capacidade de provocar o riso em nós mesmos e nos outros.
As outras pessoas insinuam que sabem como é estar deprimido porque passaram por um divórcio, perderam um parente, um amigo ou emprego, ou romperam relações com alguém. A verdade é que essas experiências trazem consigo sentimentos. Já a depressão é neutra, oca e insuportável. Ela é também cansativa. Ninguém agüenta ficar ao lado de quem está deprimido. As pessoas podem achar que deviam ficar, e podem até tentar, mas você sabe e elas sabem que você está incrivelmente chato: irritável, paranóico, sem senso de humor, sem energia, cheio de críticas e exigências, e nenhum tipo de esforço para reanimá-lo jamais é suficiente. Você está assustado e está assustador. Você “não está nem um pouco parecido consigo mesmo, mas logo vai estar”, só que você sabe que não vai.
E então por que eu iria querer ter alguma coisa a ver com essa doença? Porque acredito sinceramente que, em conseqüência dela, senti mais coisas e com maior profundidade; tive mais experiências (e mais intensas); amei mais e fui mais amada; ri mais vezes por ter chorado mais vezes; apreciei mais as primaveras apesar de todos os invernos; vesti a morte “bem junto ao corpo como calças jeans” e aprendi a apreciá-la; vi o que há de melhor e mais terrível nas pessoas e aos poucos aprendi os valores do afeto, da lealdade e de ir até o fim. Conheci os limites da minha mente e do meu coração, e percebi como os dois são frágeis e como, em última análise, são incognoscíveis. Em depressão, engatinhei para poder atravessar um quarto e fiz isso meses a fio. No entanto, normal ou maníaca, corri mais, pensei mais rápido e amei mais do que a maioria das pessoas que conheço. E creio que boa parte disso está relacionado à minha doença – à intensidade que ela confere às coisas e à perspectiva que ela me impõe. Creio que ela me fez testar os limites da minha mente (que, embora deficiente, está firme) bem como os limites da minha criação, família, formação e dos meus amigos.
As incontáveis hipomanias, e a própria mania, todas trouxeram para minha vida um nível diferente de sensação, sentimentos e pensamentos. Mesmo quando mais psicótica – delirante, alucinada, frenética – estive consciente da descoberta de novos recantos na minha mente e no meu coração. Alguns desses recantos eram incríveis, lindos; tiraram meu fôlego e fizeram com que eu sentisse que poderia morrer ali mesmo que as imagens me sustentariam. Alguns deles eram feios, grotescos. Não quis nunca saber que eles existiam, nem vê-los de novo. Sempre, porém, havia aqueles novos recantos; e – quando me sinto normal, devendo essa minha identidade à medicina e ao amor – não posso imaginar que me torne indiferente à vida, porque sei desses recantos sem limites, com seus panoramas sem limites.

Auuuuuuuuuuuuuuuu

Nenhum comentário: