terça-feira, 26 de janeiro de 2010

30/Agosto/1997 - (Parte III)

Hospital lotado, corre-corre frenético. Finalmente uma maca acomodou-me e eu busquei o alívio para as dores pelo simples fato de estar em hospital (como se fosse possível).
Meus olhos, cobertos pelo providencial pano, foram descortinados por uma mão adornada por caro relógio e meus ouvidos escutaram um sussurro delicado de uma voz conhecida (meu médico, clínico geral):
- O que está acontecendo Fátima? O que você sente?
Eu queria responder com um enorme buáááá, mas me contive e disse:
- Doutor Paulo, acho que estou com meningite, pois a dor na cabeça e nuca é muito grande...
Desmaiei finalmente!
Acordei quando os médicos retiravam de minhas costas algo dolorido, estava nua, em posição fetal, decúbito lateral esquerdo (creio ser assim a descrição hehehe). E ouví uma voz estranha dizer a outra pessoa (que era o meu clínico geral):
- Nossa, ela parece ser tão nova! Mas, pela quantidade de sangue no líquido verifica-se que foi um derrame de grandes proporções.
- "Carambaaaa"...
Pensei. E conseguí dizer em bom som:
- Derrame, eu?
O médico neurologista que havia coletado o líquido e feito o triste comentário, levou um susto tão grande por constatar que eu estava consciente que, tempos depois, soube por ele em tom de piada, que quase me furou de novo com a agulha que mantinha nas mãos. Eis em minha vida o Dr. Moroni! Um neurologista carioca, aventureiro profissional em minha pequena e insignificante cidade, que passou a me acompanhar em toda a saga que viria acontecer e, que até hoje se faz presente em minhas preces, que Deus o abençôe sempre.
Após os exames iniciais, transferiram-me para um apartamento do hospital e, por incrível que pareça, lembro-me dos detalhes iniciais daquele dia: uma campainha tocava dentro do meu quarto de forma intermitente e pior: dentro da minha cabeça dolorida, e eu reclamava e reclamava... Ninguém acreditava em mim! Estava sozinha naqueles momentos...
Chegou para me visitar meu irmão mais velho e, eu com a cabeça coberta pelo famigerado pano preto disse à ele do tormento da campainha que tocava dentro de meu quarto. Ele foi investigar e, acabou por constatar:
- Está tocando aquí dentro sim. Está tocando no postinho de plantão das enfermeiras e dentro deste quarto! Que coisa estranha...
Só com a Fátima podia acontecer uma coisa dessas.
Troca de apartamento. Fecha o pano...
Começo a perder as lembranças do que viví. Drogas pesadas, médicos, enfermeiras, agulhas, agulhas, agulhas, tomografias computadorizadas e um exame que consiste em injetar iodo nas artérias do pescoço.
Desse último exame, o que falar?
Meu Deus dos Céus. Meu Jesus Cristinho. Minha Nossa Senhora das Graças... Que tormento. Fogo líquido que subiu pelo meu pescoço atingindo o cérebro e levando-me para o inferno. Soube depois que era uma técnica de tortura muito difundida na segunda guerra mundial. Meu pescoço doeu e ficou inchado por aproximadamente um ano após a "intervençãozinha".
Logo após os exames de praxe, notícias nada promissoras para os familiares que entraram em uníssono na mais profunda oração a todos os santos e à Deus (em primeiro lugar).
A Fátima havia tido um AVC (acidente vascular cerebral) ou seja: derrame cerebral, ocasionado por aneurisma (que consiste em uma falha na parede de uma veia que leva o sangue para o cérebro). É como se fosse uma parede mais frágil e tal parede se expande com o fluxo sanguíneo, criando uma bolha de sangue e tal bolha jamais pode romper-se...
A bolha do cérebro da Bolha da Fátima rompeu. Phudeu...

30/Agosto/1997 - (Parte II)

Meu gurí, tão pequenino, veio como de costume procurar a mãe. E certamente a encontrou inerte, nua, no chão do banheiro. Ao ver que ela não respondia ao seu chamado, foi ao armário de remédios que se encontrava na cozinha, puxou uma cadeira e começou a fuçar por lá, com a inocente intenção de medicar a mãe.
Dona Cida, uma ajudante "anjo" que trabalhava comigo nessa época, ouviu o meu filho pedindo, com um copo nas mãos:
- Dona Cida, pega um pouco de água pra mim dar um remédio pra mãe.
Estranhando ela perguntou:
- O que aconteceu Gustavo?
E o inteligente menino respondeu apavorado:
- Ela está no chão lá no banheiro...
De imediato, Dona Cida foi até onde eu me encontrava e começou a tomar as providências necessárias. Arrastou-me nua até a cama e por lá me vestiu.
Lembro-me que comecei a retornar à consciência, mas a dor era por demais terrível, ela não permitia que eu ouvisse sons, sentisse algum cheiro, visse a claridade e sequer permitia que eu "pensasse" em pensar...
Agonia extrema, eu diria até que era pior do que um abismo. Eu me sentia como um vulcão prestes à explodir. Explodiria dores, veias, sangue, olhos, vômitos, Maria de Fátima em todas as direções!!
Então, em razão de Dona Cida ser analfabeta, meu gurí ligou ao pai pedindo socorro e depois ligou para a Santa avó (minha mãe) que tanto nessa vida já nos socorreu...
Meu ex marido chegou em casa (e eu na penumbra do quarto), minha mãe também chegou acompanhada de minha cunhada que fora buscá-la. Lembro que ofereciam coisas de comer e eu murmurava:
- Não falem de comida, não coloquem panelas no fogo, não posso sentir cheiro. Não falem alto, não posso ouvir sons. Não entrem no quarto, não quero sentir vossos perfumes. Eu preciso urgente de um médico pelo amor de Deus...
O pai de meu filho tentava inutilmente conseguir uma ambulância. E tentava, tentava, quanto mais tentava menos conseguia.
Lembro vagamente que uma amiga chegou em minha casa, ela estava de malas prontas para a viagem que faríamos a Foz do Iguaçú e em sua boca continha uma bala mentolada. Solícita, entrou em meu quarto e aproximou sua boca de meu rosto dizendo palavras confortadoras que não lembro quais eram, mas lembro muito bem do enjôo que tal bala provocou em minha pessoa e, com dificuldade vomitei em jatos. Jatos poderosos, em todas as direções.
Minha paciência pela ambulância e consequente socorro médico acabou. Paciência que nunca tive. Cadê ela? Onde? Isso existe? Chega! Por volta de 12:30hrs levantei-me segurando nas paredes e cobrí meus olhos com um pano preto, alguém perguntou onde eu ia e respondí:
- Ao hospital, é claro.
Na direção do veículo seguia meu ex-marido e no banco do passageiro ia euzinha rezando pra que no caminho não encontrássemos sequer um buraco no asfalto. Minha mãe ficou na minha casa, junto com a empregada e meu filho.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

1997 - (Parte I)

28/Agosto/1997 - Quinta-feira, por volta de 19:30hrs.
Limpava morangos na pia da cozinha, enquanto pai e filho (este último com 4 anos) brincavam de correr frenéticamente um atrás do outro em enorme gritaria. De repente, sentí uma espécie de dor forte, como se fosse uma garra a apertar-me fortemente na têmpora esquerda. Escureceu-me a visão, entontecí, tentei respirar pausadamente e terminei por buscar o conforto em minha cama. Vestia roupa desconfortável, calça jeans e blusa apertada, e não costumo jamais dormir em tais condições, todavia, lembro vagamente de ter ouvido o meu ex-marido explicar ao nosso único filho que pelo visto mamãe ia dormir e que era para eles a deixarem em paz.

29/Agosto/1997 - Sexta-feira
Acordei do torpor somente no dia seguinte, tive uma noite tomada por sono profundo. Mas, a dor de cabeça que havia sentido alí permanecia, forte, intermitente, generalizada (sequer compreendí como havia dormido acometida por tantas dores).
Lembrei-me que desde criança eu reclamava dos meus incômodos na cabeça e sempre vinha alguém dizendo:
- Eu também!!
E eu, na minha santa inocência pensava que isso era um bom sinal, sinal de que todos tinham dores naquela região e meu ladinho Pollyanna dizia:
- Que bom! Eu tenho cabeça...
Passei o dia muito mal e acabei por ligar à uma amiga, médica oftalmologista, explicando o que sentia, ocasião que ela disse que tudo indicava ser uma espécie de enxaqueca, receitando alguns remédios e cuidados.
Isso tudo aconteceu na sexta-feira, sendo que no dia seguinte, meu marido participaria de uma Convenção de Empresários Paranaenses na cidade de Foz do Iguaçú (distante 300 km de minha cidade), hospedagem em hotel luxuoso e provavelmente compras no Paraguay e Argentina. Eu pretendia acompanhá-lo e a futilidade ficou engavetada, pois eu sabia que com aquela dor não seria nada agradável viajar.

30/Agosto/1997 - Sábado.
No sábado acordei muito disposta. Faminta, tomei um café reforçado e pensei com meus botões:
- Nossa, mulher quando quer passear é capaz até de sarar de seus males...
Liguei para minha mãe e perguntei se ela cuidaria do meu filho para que eu pudesse viajar. Ela concordou e eu fui tomar um banho por volta das 08:30 da manhã.
Sempre deixava a porta destrancada, pois meu filho não saia do meu pé, sempre com suas conversinhas. O banheiro era muito grande e, logo após banho tomado comecei a enxugar-me... Foi quando sentí algo muito estranho na cabeça, um enorme anzol afiado fisgou-me a boca e levou-a de encontro ao olho esquerdo. Minha boca literalmente beijou meu olho esquerdo que contaminado pela fisgada contraiu-se também...
Tal olho finalmente comunicou à têmpora toda dor imaginável, e essa mesma ou talvez pior dor, esparramou-se de forma meteórica por todo o cérebro, derramando-se as dores, como enxurrada na nuca... Escoava, mas não cessava, só progredia.
Tudo escureceu e, eu nua, desmaiei no mármore frio do banheiro.